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| Saboroso Cadáver by Agustina Bazterrica |
Nesse cenário perturbador, seguimos a rotina de Marcos, um funcionário de alto escalão em um frigorífico especializado no abate de “carne especial” — como os humanos criados e abatidos para alimentação passam a ser chamados. Marcos carrega suas próprias dores, especialmente a perda recente do filho e a internação de sua esposa em um hospital psiquiátrico, o que o torna um personagem apático, à deriva, e ao mesmo tempo perigoso, porque representa o que há de mais humano em meio ao inumano.
O ponto de virada da narrativa acontece quando ele recebe de presente uma mulher viva, criada para abate. A partir daí, o desconforto cresce, página após página. O leitor é forçado a observar a erosão completa de qualquer traço de ética, enquanto Marcos tenta justificar suas ações e navegar por esse mundo que já aboliu os limites do aceitável.
O que mais choca em Saboroso Cadáver não são apenas as cenas cruas ou a premissa absurda — mas o fato de que tudo faz sentido dentro daquela lógica. E esse é o verdadeiro golpe: perceber que, com pequenas adaptações, o sistema descrito por Bazterrica não está tão distante do nosso. Troque os humanos por animais, troque o abate por exploração sistemática, e o horror continua, apenas com outra embalagem. O livro obriga o leitor a se perguntar até onde vai o apetite humano por poder, controle e consumo.
A escrita é seca, direta, sem floreios. Não há espaço para poesia diante do horror banalizado. Por isso, mesmo sendo uma leitura que fere, ela flui — rápida, inquietante, quase como um soco que a gente só percebe completamente depois que já caiu. Em poucas páginas, somos levados a confrontar o que significa ser humano, consumir, obedecer e, acima de tudo, se anestesiar diante da barbárie.
Saboroso Cadáver é um livro que te suga para dentro do pesadelo e depois te devolve ao mundo real — mas com os olhos mais abertos. Não é para todos, mas talvez devesse ser.
Nota: ★★★⭑⭑

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